quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

EU, A LAPA E A MINHA AMADA!

(foto: Thaisa Araújo)

Já era uma hora adiantada, considerando que não temos mais tanto pique assim, mas lá fomos nós, eu e minha amada, de mãos dadas, passear pela Lapa como dantes nós sempre fazíamos. Éramos agora, de uma outra idade, contudo ainda respirávamos iguais, as lembranças de outrora, quando estar na Lapa era estar em casa, quase literalmente falando; agora, não era mais! Diferente de antes, quase ninguém conhecido passava por nós, éramos apenas dois meros passantes pela cidade dos desavisados, parecíamos dois belos fantasmas re-visitando o passado, mas mesmo assim foi bom de mesmo jeito. Não éramos fantasma algum, apenas tínhamos outra idade e nossos amigos talvez ainda fossem os mesmos, só os horários é que não. Não estávamos sós, mas o fato é que ninguém ali nos era conhecido e muito menos, nós a eles. Mas seguimos então, com uma suavidade diferente de anos passados. Assim que soltamos da condução, bem embaixo dos Arcos, nos deparamos com um lugar vazio demais para ser o que pensávamos, a Lapa estava abandonada neste último dia do ano que era 2008, seguimos em frente passando pela fundição e imediatamente pelo Circo (Voador), nem mendigos avistávamos por perto, atravessamos a Mem de Sá e a Riachuelo(uma que sobe outra que desce), e resolvemos dá uma olhadinha na “Joaquim Silva”, a rua mais cobiçada pelos lapeiros de outrora, a mais procurada e (“mal”) freqüentada da zona, quase nenhuma alma viva! Uma nostalgia imediatamente nos invadiu e vimos juntos sem falar, todo aquele burburinho de tempos idos, toda aquela juventude, sadia, ativa que não morava mais ali, ali jazia os nossos mais fecundos momentos. Seguimos firmes de mãos dadas, pela rua mais deserta do mundo, descemos à primeira esquerda e nos deparamos com um amontoado de gente curtindo como antigamente um som ao vivo improvisado na porta de um botequim, o que antes era da rua inteira, passamos lotados, estávamos de volta ao largo, e para o nosso alívio, encontramos por fim, algum vestígio de gente que se descobriam e se revelavam com a noite. Perto da sala Cecília Meirelles, novas casas foram abertas, na verdade bares simples mas muitos espaçosos, com cervejas bem baratas, e pronto, a galera já tinha feito dali o seu novo point. Paramos e nos misturamos à massa, tomamos duas latinhas, olhamos atentos os novos habitantes da área e resolvemos seguir, rumo ao beco do rato, uma ruazinha afastada, mas conhecida de todos, onde rola um sambão dos bons; por ser pequena está sempre lotada e o bar que antes tinha ares de pé sujo, agora calçava outro número, se modernizou, o negócio parece estar dando certo, mas para mim, perdeu um pouco da magia, assim como o resto do bairro, diga-se de passagem, muito embora a Lapa sempre será muito mais forte que qualquer progresso, o seu charme é algo indecifrável, decerto. Voltamos com mais duas latinhas na idéia, passamos pelo Ernesto e por um restaurantezinho português, uma adega na verdade, e que vontade de parar ali para tomar um bom vinho, mas nossas condições financeiras não nos permitiriam, em frente e felizes, continuamos com nossa peregrinação, escadaria do Selaron, bar do Gatão, Arco-íris, lotado como sempre, rua do Lavradio e pronto, as luzes eram outras; inventaram depois dos Arcos, uma outra Lapa, uma espécie de outro lado. Já eram quase duas da manhã e tudo estava ali, presente dentro da noite!
Depois do Arcos em diante a Lapa parece outra, bares e casa de shows requintadas, gente mais bem vestidas, com pose de barão, lugares caros, e do mesmo jeito lotados, muito gringos, mulheres russas e sorridentes, burgueses, mauricinhos, passamos direto, mas antes ousamos entrar numa delas para ir ao banheiro e quase traçar uma pizza, ás quatro latinhas já eram oito, doze talvez, não ficamos, uma pizza a 32 reais não rola, fomos até o fim da Mem de Sá, descobrimos um barzinho bem legal no larguinho, perto do “Manoel e Joaquim” só que do outro lado, bem pequeno, é verdade, mas confortável, com garçonetes bonitas e bom atendimento, logo vagou um mesinha de canto, pedimos mais duas, havia um couvert de 6 reais, que nos expulsou dali, deixei 1 real e achei de bom tamanho, sem stress algum, atravessamos a rua e fomos parar no bar do Juca, mas cheio demais, optamos pelo outro “Juca” em frente ao Arco-íris”, na volta passamos pelo “Mofo”, um novo bar, pelo Capela com seus preços altíssimos, sem falar do Brazzuca e do Odisséia com uma fila enorme àquela hora da madrugada, passamos também pelo Sacrilégio e o Carioca da gema, dois clubes de samba, hiper disputados, dando gente pelo ladrão, na esquina da Lavradio dois bares gigantes e chiques, um em cada lado da calçada, davam nova composição e ares de zona sul às esquinas do bairro Ufa, Chegamos! Sentamos, pedimos um caldo de cabrito, que vem servido dentro de uma broa oca, uma espécie de panela de pão, onde raspamos suas paredes de miolo, enchendo a colher do caldo misturado com a raspa do pão que é uma delícia! Dois chopps pretos pra fechar, por favor e a conta, please!
Essa é a nova Lapa, que mudou de lugar, mas que continua a mesma! Acho que fechamos bem o ano! Eu, a Lapa e a minha amada!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

EU ESTE OUTRO

Quem está na praia agora
Onde antes eu estava
Quem festeja a todo instante
O doce da vida afável
Quem não conhece despedida
E mergulha ainda destemido
No mar profundo da imensidão
Que a vida é
Quem
Que ao invés de mim
Saboreia despreocupado o agora
Como se fosse para sempre
Quem parece ausente
De tanto que é presença
Quem jovial e sem velhice
Ainda se inebria com as peripécias do amor inocente
Quem não espera troco
E ainda arranha um violão
Quem ainda acredita nas canções
E que bem diferente de mim
E bem igual a tudo que eu era antes
Não tem medo da morte
E nem tampouco medo da sorte
E nem fica contando os passos
Quem sou este outra agora
Que eu abraço?!

COMUM COMO UM

Sou um poeta
No pior sentido da palavra
Desastroso, desastrado, inútil, enrolado
Delirante como uma palavra errante
E como disse antes
Num poema distante
Gosto mais de ser letra que pessoa
O que me anula como ambos

Sou um poeta comum
Como um açougueiro é um açougueiro
Como um pescador é um pescador e pronto
E nada mais
Embora estes (entre tantos desiguais)
Com muito mais valia e utilidade

Sou poeta estrangeiro
Cheio de solidão e nenhuma solidez

Sentado sobre os livros
De onde vejo vocês
Sou feliz ao meu modo
No melhor sentido da palavra!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

SANTA CATARINA

A vida virou entulho
A chuva limpa sujou tudo
Todas as histórias
Impregnadas de barro, desgraça e nenhum futuro
As lágrimas do céu
Tinham agora gosto de féu
E fim de mundo...

A reconstrução da vida
Levará consigo e para sempre
O gosto da amarga despedida
Casas destruídas, crianças perdidas, felicidades falidas
E a espera ardida
Nos olhos e nas almas
Dos que se foram e dos que ficaram
A imensa dor estendida no varal
Da incerteza
Misturada à trôpega força dos que precisam continuar
Recomeçar por natureza
Reconstruir
Tijolo por tijolo
A re-edificação dos lares abençoados
E de sonhos realizados e amanhãs outrora alcançáveis
Mas que não sabemos mais quando virão
A singela simplicidade da vida simplesmente vivida
Em doce comunhão
(silêncio)...
Tudo estagnou-se, danou-se
Se perdeu
Menos a incalculável dor
De quem sofreu!