quinta-feira, 20 de agosto de 2009

"EU NÃO SEI O SEU NOME" - À pureza perfeita e absoluta de ninguém

(Parte do meu novo livro)

Quando jovem o futuro era meu, e na sua moldura eu era música; o céu, um sol o tempo todo a brilhar. A música sempre nos acompanha, é verdade, mas só os puros de alma conseguem ver dentro dela - como nos olhos da mulher amada - um conforto melhor, um alvoroço que a alma ascende e transcende e então começamos a ver coisas, imagens do inconsciente e lá nos vamos, pensando-se poeta. Assim, fiz-me em turbilhões de sonhos, um moço tolo que acredita em sonhos! Fiz algum relativo sucesso entre os anônimos como eu, comi mulheres, li bons livros, descobri pessoas, aprendi sobre a vida com poesia, arrisquei como bem quis e pude, paguei pra ver, enquanto a vida ao lado, ao mesmo tempo que me sorria, passava distraída, mas eu notava suas nuances, e como era bom, me deixava ir, achava que a solidão era uma invenção dos que não têm criatividade, mantive uma certa relação de distância com o tal do dinheiro, mola de uma humanidade materialista, me distanciei dessa realidade, estava certo que daria certo meus investimentos abstratos, socialistas e poéticos, dei de escrever poemas, publiquei algumas páginas e novamente por conta da arte, me via feliz.
O tempo passou como tudo passa, criei asas e afoguei as mágoas de amores, finanças e incompreensões, na danada da cachaça; a gente fica forte para muitas coisas, mas para outras somos um completo desastre, acumular riquezas, no meu caso, é uma delas, não da alma, mas do corpo, que inexorável, padece com o tempo e padece de tanto que apanha. Por uma ou duas mulheres, morri mais que devia, desvirtuei o caminho, daria certo por onde ia!? Mas todo caminho é um ninho e a nossa casa é o cada dia que nasce e morre todos os dias em direção ao sol, lá me ia então sem proteção nem documento. Tudo era sonho, tudo é sonho que a gente acorda no final, e quem sonha é quem dorme, e quem dorme passa do ponto, num misto então de sucesso inútil para as coisas do mundo e um fracasso irônico na receita dos homens comuns, foi quando descobri que não me importava tanto com resultados, como se fosse uma resposta aos meus críticos, um dar com ombros para o que os outros pensavam e achavam de mim e do meu caminho, “não devo nada a ninguém” cantava por aí. Eu queria era viver, nada mais. E assim fui. Traçava planos, e quando chegamos ao ponto de traçá-los é porque estamos ficando para trás. Então, determinei que se até aos trinta minha música não ganhasse o mundo, trocaria de ritmo, aos quarenta já era, ou ainda era, um músico sem rumo e sem mundo, mas ainda astuto, tentava agora com a esperança não mais com sonhos, a última cartada, mas a última cartada sempre dura mais que um simples lance, às vezes o resto da vida; mas havia decidido, aos quarenta haveria de recolher os louros e o frutos do meu sucesso (fiquei com o fardo), levava fé que seria um roqueiro cultuado e então assim pararia com tudo, tem artistas que não se emendam, passam do tempo, não se renovam, se perdem e morrem em vida; comigo não, mudaria de rumo e surpreenderia meus fãs, me entregaria aos prazeres da fotografia, algo de que gosto muito, assim minhas imagens, antes sonoras e verborrágicas, dariam lugar às imagens que faria sobre as impressões do mundo, e por fim, lá para os sessenta, setenta, estaria apto para o que de fato nasci: escrever, escrever, escrever, algo que faço desde que me conheço como gente, voltaria à literatura até o fim, até desfalecer para renascer nos braços da memória do tempo...

E antes da morte chegar, tomaria o meu último e homérico porre de whisky, numa celebração a tudo que vivi e não conquistei, a tudo que ri e não dancei, à tudo que conquistei, mesmo sem querer, à todas as mulheres e amigos, saudar essa oportunidade magnífica que é a vida em si.
Um brinde! Um brinde apenas, um brinde...

E o cálice caíra lentamente de minhas mãos no deserto da praia mais linda e a água me arrastaria o corpo e o mar me engoliria por completo... O ciclo da vida! Virar comida de siri e tubarão! Há! Há! Há! Há...