quarta-feira, 16 de julho de 2008

DEUS É UM PASSARINHO!


Quando o sol vem afogar á tarde no mar e os banhistas de um dia inteiro se recolhem de suas águas mais frias e geladas de agora, este é o momento que mais gosto de estar na praia. Existe um silêncio mágico, como se o esgotamento daquele dia não fosse um esgotamento propriamente dito, mas um deslocamento apenas, onde os seres ali presentes pressentissem um ritual natural do fim do dia, como uma transcendência somente pertinente àqueles que ali estão. Todos sabem o que vai na alma.
Gaivotas que voltam de suas ilhas, dando o último vôo rasante do dia, enquanto outras ainda se arriscam em mais um mergulho de uma pescaria perfeita, traduzem aquele exato momento de tranqüilidade imensa. Horas de vôo, para onde vão agora? Com a brisa e com o vento, somem no espaço com a tarde que também vai findando aos poucos, com o sol no horizonte, atrás das montanhas e a bruma que nos toma. O por do sol dá suas últimas pinceladas no céu incomparável da cidade maravilhosa e bundas perfeitas desfilam na areia dourada da praia em sagrada comunhão, dentro de uma paz incomum, com a natureza que mais que perfeita, colore o céu com suas cores ímpares, nos abençoando com um magnífico e belo entardecer, prelúdio da noite que se aproxima. O crepúsculo conota os prédios na orla da praia emoldurando sua beleza no prazer estendido na canga da linda balzaquiana que divide a areia com a menina tão bonita quanto ela, que descansa seu corpo ofegante de sol e mar nas areias repousantes da tarde indisolúvel; a paquera que era flerte tão somente renova o ar e sorrisos brotam na cara feliz da juventude. O bem estar é geral e se instala feito um bicho preguiça na tarde triunfal que esbanja vida e saúde na vivacidade daquelas horas incontestáveis de um êxtase natural, fecundo de simplicidade apesar dos privilégios, a preguiça mais gostosa do mundo. Naqueles momentos, de finalzinho de tarde, de sal e de sol, indescritível, a dádiva de Deus!
Veio posar perto de mim, um passarinho que sozinho e tranqüilo, contemplava os banhistas, eu pude perceber sua atenção quase inocente dentro de um momento sublime, divino e secreto que ninguém percebe. Não havia desconfiança ou medo, uma criança pura aquele instante e aquele pássaro tão pequenino e singelo. Fiquei cismado e tentei me aproximar, foi o bastante para ele alçar vôo, dizem que os pássaros sentem o cheiro da civilização e não suportam, então voam para longe, mas este apenas se distanciou um pouco, indo posar mais adiante para continuar contemplando o que via.
Lá ao longe o dourado do brilho do sol iluminava seus filhos, jovens descendo pelas ondas, deslizando pelas horas, nas espumas cremosas de um mar sem igual, com suas pranchas e seus corpos flutuantes, surfando o inanimado, narrando sem saber a parte mais gostosa do verão, a liberdade sobre as águas onde ninguém os alcançam.
Quando voltei os olhos para o passarinho, eles já não estava lá, e não sei mesmo se esteve, achei estranha aquela sensação, estava tão próximo, ao alcance da mão e no entanto me lembro dele longe, altivo me olhando, me fazendo sentir abençoado. Fiquei cismado com aquilo, com aquele doce, breve e delicado momento; me benzi em reverência e fechei os olhos para não mais esquecer. Parecia Deus e tenho comigo que era deveras! Aquele passarinho era Deus! Sim, era! É isso! Deus é um passarinho!