sexta-feira, 21 de novembro de 2008

PAIS & FILHOS

Eu também gostaria de chegar do trabalho e ter a casa só para mim! Nenhuma bagunça, nenhuma divisão, a solidão requintada dos que têm a vida deliciosamente só sua. Televisão, computador, aparelho de som e DVD, todos exclusivos me aguardando no silêncio harmonioso do lar, doce lar.
Mas nada é assim. Chego cansado de mais um dia de trabalho duro, jornada infindável da vida, pensando simplesmente em afrouxar os cadarços do sapato, tomar aquele merecido banho, gelado ou quente, e me espreguiçar de frente para a TV, assistir o jornal, saber das últimas notícias, mas quando abro a porta, garantido de tudo que acontece em meu doce imaginário, tenho que retroceder e entender que não moro mais sozinho, que há crianças no jardim da minha nova realidade, crianças correndo contra elas mesmas, para ver quem chega primeiro ao computador, crianças crescendo para todos os lados, ganhando espaço, ganhando corpo, peso e personalidade, descobrindo novos e outros comportamentos, ocupando cada vez mais as nossas vidas outrora tão pacatas, tomando tudo pra si, por direito e diversão, como um dia foi comigo também. E não são raras as vezes que elas estão de mau humor, discutindo direitos inevitavelmente egoístas, querendo ser os únicos em tudo, demarcando território.
A televisão está ligada num canal absurdamente alto, porque um deles está na cozinha o outro no quintal, e ai de mim se me atrever a diminuir o volume; ou então estão com o computador ligado baixando músicas ou trocando mensagens pelo MSN ou Orkut. Abro a geladeira, nenhuma fatia de queijo ou presunto, o requeijão também não existe mais, a casa está um pandemônio só e nenhum cordial “boa noite, estranho” ou um sorriso que seja, sobra para mim! Eles simplesmente me ignoram, natural que estejam totalmente ligados e vibrantes com suas coisas e seu mundo ao ponto de não perceber mais nada ao redor, seja por descaso ou mesmo mau humor. Mas natural também que eu sinta um pouco da falta de atenção deles.
Só me resta então, o banheiro. É isso, o banheiro, pelo menos lá vou poder acabar de ler o meu jornalzinho. “Papai, não entra agora que está ocupado! A minha colega do colégio está aqui!” – “Que maravilha, filha!”. O stress controlado em doses homeopáticas quando ainda ouço a mulher que reclama da cozinha, que não parou um minuto, e que pelo jeito, não vai me dar atenção de noite na cama nem tampouco agora. Estamos muito cansados, exaustos, e ela dormirá feito uma pedra sem emoção, assim que a vida permitir e comigo não será diferente, não deverá mesmo ser diferente.
De madrugada acordo para ir ao banheiro, feito um bêbado, ressecado, trôpego, passo pelos quartos das crianças, examino rapidamente com os olhos, cada detalhe na penumbra e sinto-me de repente abençoado por tê-las ali à salvas do mundo, protegidas por nós, sua família. Agradeço a Deus pela benção e um sorriso nasce de soslaio num dos lado da minha boca. Não existe mais ressaca nem mais nada, apenas o amor sobre todas as coisas e sobre elas, é claro, tão frágeis e tão serenas, anjinhos que me abençoam. Congelei a cena em minha mente e sai.
Enquanto bebo o meu copo d’água, penso na hora em que cheguei em casa e sequer fui notado. O Amor deles é o meu próprio amor, refletido em suas vidas tão desorganizadas ainda e tão desorganizadamente acesas e amadas ao infinito por mim e por sua mãe. Volto para cama e abraço minha esposa, com a leveza de um espírito e adormeço em paz.


P.S. Os discos, os livros, os filmes, programas de computação, roupas, dinheiro e lugares, a casa, o nosso coração, tudo pertence a eles, tudo é deles. E a nossa compreensão dos fatos e dessa realidade, representa tão somente a harmonia e o amor que nos une e nos fortalece.
Eles não sabem, ainda, mas o sacrifício que fazem os pais em nome do conforto dos filhos, é que lhes servirão de guia e referência, para o resto de suas vidas, a menos que eles não nos puxem, nos obrigando a seguir um pouco mais ainda com a preocupação, que nos é inerente, peculiar e eterna.
Coisa que eles talvez também não saibam, mas que com certeza, aprenderão um dia, é que os pais nunca abandonam os seus filhos! Nunca!