sábado, 2 de janeiro de 2010

"DESLIZAMENTES" - Viva eu e não a tu e nem ao rabo do tatu !


Preciso dizer algo, escrever, conversar, desabafar, sei lá. É fim de ano, festas à vista, comemorações, afins e na TV tragédias se repetindo, mortes prematuras, vidas soterradas sem saber, para no minuto seguinte o noticiário se reversar consigo mesmo, ora aqui, ora acolá, nos trazendo de volta a "alegria" em imagens que valem milhões de outros milhares incógnitos de pessoas distantes dos infortúnios de alguns, porque o show não pode parar. E a alegria se refaz como num passe de mágica, soterrando a tristeza de minutos, segundos atrás. Não consigo não dizer, por isso escrevo, enquanto a televisão na figura sorridente do ou da âncora do telejornal sorri quase que no mesmo instante que me dava a impressão de que quase chorava, vira para a outra câmera e mantêm o ibope, porque nem todo mundo sobrevive ao mesmo tipo de notícia o tempo todo, mostremos os fogos, os planos, o futuro, quando instantes ínfimos atrás e à pouco, mostrava-se tão sério o pobre do rapaz sorridente, corta para o comercial, lá vem a copa chegando diz um, uma delícia de vida e esta cerveja diz outro...
Não consigo e não entendo não escrever, deliberar sobre o assunto, filosofar se estiver ao alcance, ao menos desabafar, mas ao invés disso, agimos todos como o âncora e a repórter que sem opção faz o seu trabalho com competência - dá as notícias - enquanto nós nos divertimos com outras competências para com o momento que é só nosso, entre bebidas e convidados, vamos tentando disfarçar a nossa imparcialidade, a nossa frieza, o nosso descolamento com os acontecimentos que parecem tão distante quanto o planeta Marte ou Saturno. Vemos, nos horrorizamos, mas sem nunca passar além de alguns indesejáveis minutos e já estamos brindando a tudo novamente. Sequer conseguimos mais rezar, não acreditamos em mais nada, nem na desgraça nem no inusitado, apenas existimos (sequer co-existimos) como animais ou objeto sem valor, sem os sentimentos dignos de seres humanos que ainda pensamos que somos. Sentimos fome e matamos nossa fome, sentimos sede e da mesma forma matamos nossa sede, não atentamos para a terrível solidão a que estamos imersos, pensamos muito mais nos números do sorteio da mega sena, desejamos profundamente sermos esse tipo de vencedor, que do nada nos transforma em um milionário da noite para o dia, do que propriamente alcançar algum progresso com o sucesso do nosso próprio potencial, no nosso trabalho e suor, por essa via, a dignidade parecer não sutir efeito. Mesmo na honestidade do mundo, ansiamos pela sorte monstruosa que não existe para qualquer um, apodrecendo e empobrecendo um pouco mais sem nos dar conta, e pior, se nos damos conta, damos de ombro, como se fôssemos o único a merecer ser salvo, contemplado ou sei lá o que; comentamos as notícias comendo banana, dando a banana para um possível baixo astral, confundindo este tal baixo astral com ceticismo, frieza ou alienação, e vamos sobrevivendo sobre a morte alheia, sobre a desgraça dos outros que não somos nós e que assim sendo, não há porque pararmos a produção do nosso dia a dia de confetes, confeites e artimanhas em detrimento do que mais nos comove: a promessa do nosso próprio sucesso e nada mais.

Viva a mim e não a tu e nem ao rabo tatu !


Daqui a pouco vem a copa do mundo, o carnaval “e coisa e tal”, o campeonato brasileiro, entretenimentos fúteis e banais em forma de música alegre e vazia, todos os dias o dia inteiro, de teledramaturgia ofuscante, pobre; o churrasco para celebrar (o quê?), novos deslizamentes, outras centenas de mortes, a indústria da violência, mortes de inocentes, blá, blá, blá, blá, blá, blá....e a vida agonizando vai passando na tv, mas que ninguém vê!