quarta-feira, 23 de abril de 2008

OUVINDO O FABULOSO DISCO DE MILES DAVIS

Nem Queiroz


Recluso tal qual Ernest Hermigway, ouvindo o fabuloso disco de Miles Davis, apronto o café que me apronta para este outro novo dia. Sozinho, ainda, nessa hora mansa da manhã, sinto estranhas sensações. Sinto-me como um pescador solitário em sua balsa, perto duma ilha abandonada, quase perdida e estranhamente minha, estranhamente de ninguém. Uma paz também estranha e pertinente preenche o ambiente misturada e divagada com o som do sax de Miles e da fumaça do cigarro que eu não fumo, mas invento. Serei eu um escritor sem sossego e sem descoberta? Quem precisa de sossego?! Os mortos.
Minhas descobertas eu mesmo faço. Hoje meu pai veio me visitar, era muito cedo ainda, de modo que a neblina dessa época do ano, não havia ainda se dissipado por completo. O sol parecia preguiçoso e seus raios pintavam a paisagem com belos e suaves traços de luzes serenas, por entre a vegetação do quintal de nossa casa...
Decido fazer um poema, que me consome um bom tempo, da música e do café. Escrevo sobre cigarros e prazeres furtivos. Não sei porque essa fixação em cigarros, agora! logo eu que não fumo, que detesto o gosto de nicotina que ele deixa em nosso hálito, prefiro uma bebidinha, mas não por essa hora...
Minha esposa, deitada na cama, chama por mim. Levo-lhe um copo de leite toda noite quando a gente deita, mas esta manhã ela também necessita de um pouco mais, ela o toma junto com um comprimido para dor de cabeça, que a atormenta faz três dias. Ela me agradece com um olhar, eu retribuo com um beijo em sua testa perfeita e suada. Ela volta a dormir, ela precisa descansar. O Amor é algo assim, um bichinho de pelúcia, jogado num canto, que a gente acalanta, passa a mão suavemente e sente a carícia que nós mesmos produzimos, depois vem a vida e passa por cima de tudo.
A filhota chega dos estudos, mais cedo que de costume, mais acesa que o habitual. Será que pegou gosto pelas letras? Que nada! Ouço sua mãe lhe dizer não a um pedido e ela se aborrece como é de costume, como é seu habitual. Ela se emudece, isolada no seu quarto, com seu ursinho feio e de pelúcia, curtindo a sua novíssima solidão. Daqui a pouco ela ligará a tv, como num último ato de sua melancolia precoce para se esquecer de tudo, entorpecendo a mente de vazio e as horas de desperdícios em vão, logo, logo, tudo volta ao normal, outros pedidos, outros desejos, outros sins, outros nãos...
Enquanto isso Miles Davis traduz a cena, trás o sol e o céu para dentro de mim e eu dentro da casa abro as asas e as janelas para o sol entrar. Há um silêncio que se estende e que não é normal por aqui, aproveito ao máximo enquanto a vida dorme, logo ela que nunca dorme, deve ser a música mágica e magistral de Miles. Releio o poema, gosto dele, mas mesmo assim, me desfaço de tudo, termino o café e o arremesso fora. O dia já começou faz tempo.

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